“Termas”
Nome feminino plural.Dicionário Priberam (excepto o terceiro ponto)
- Edifício destinado aos banhos públicos dos antigos romanos.
- Estabelecimento onde se faz uso de águas termais.
- Ia lá em criança com o meu pai. A água tinha um cheiro esquisito; A comida da pensão era péssima mas havia uma pizzaria ao virar da esquina que ainda hoje me faz ir ao google procurar se ainda existe.
Se consultar um dicionário, estou convencido que encontrará alguma variação desta mesma definição da palavra. Para a minha geração, nascida entre 1985 e 1996, “Termas” não são mais que um artefacto kitsch da cultura popular portuguesa, aguardando pacientemente a sua vez de entrar numa canção do David Bruno.
Atrás de cada preconceito, esconde-se sempre uma boa oportunidade. Quando me foi endereçado o convite para me dirigir a São Pedro do Sul para fazer a reportagem da primeira edição do Termas Motorfest em representação da Topos & Clássicos, senti uma genuína curiosidade que admito não ser partilhada com todos os convites. Não só esta seria a primeira edição do festival, como se iria realizar num local que por experiência prévia, sabia ser de uma beleza única. Além do mais, a paixão com que o organizador José Correia me descreveu as ambições para o evento, fez com que me fosse impossível recusar.
Uma decisão arriscada
A data escolhida para esta edição zero foi o fim-de-semana de 11 a 13 de Fevereiro. É uma data incomum para um festival motorizado em Portugal. Não só, é uma aposta arriscada, quando sabemos que o calendário nacional de eventos se concentra maioritariamente entre Abril e Outubro. Foi uma decisão premeditada, pois este ano será uma sessão com um teste de baixa intensidade, esperando realizar o evento em pleno em Maio do próximo ano, aproveitando o florescer dos malmequeres que invadirão as encostas da região, cobrindo-as de amarelo. Ainda assim, imaginem um festival de Inverno, inédito no nosso território. Mais cultural, mais dedicado ao descanso, à gastronomia e à experiência termal. E se já lhe estão a crescer cabelos brancos e barriguinha só de ler esta última frase, lembremo-nos que tudo é uma questão de perspectiva. Se as pavorosas calças de boca de sino conseguiram voltar a ser moda em 2022, as Termas não terão dificuldade em reconquistar a sua relevância, tocando nos botões certos. Leram aqui primeiro.
A minha chegada às termas deu-se ainda na noite de sexta-feira e a recepção foi, no mínimo, inesperada. No ponto de chegada somos brindados com um “olá” e uma banquinha a disponibilizar café, bolinhos e aperitivos regionais, para recuperar energias das longas horas de viagem. Agradeci, e a minha barriga também. O ambiente estava muito sereno e algo na combinação de uma noite amena, um rio tranquilo, a música ligeira do sistema de som do recinto, a luz ténue dos candeeiros de rua, o vapor de água termal saindo das fontes e sarjetas, e até aquele “cheiro esquisito” que é o do enxofre, fizeram-me sentir que tinha acabado de chegar de facto a um lugar muito especial.
Novas ideias
O primeiro dia de festival foi preenchido por várias actividades satélite aos automóveis, como a apresentação de uma linha cosmética local AQVA, uma experiência gastronómica e vinícula, garantindo a todos que este seria um fim de semana para toda a família. A primeira actividade a que tive oportunidade de participar foi já à noite. Ao contrário do habitual, não foi um jantar regado nem uma saída apressada ao bar da marca de bebidas espirituosas que patrocina o evento em questão. Foi, sim, um colóquio. Realizado no emblemático balneário Rainha Dona Amélia, sobre o impacto ambiental e sócio económico do desporto motorizado nas regiões. Perdoem-me se “colóquio” lhe despertou um bocejo espontâneo, mas fiquei muito surpreendido por visitar um evento que celebra acima de tudo o passado, mas que mantém uma visão progressista com vista no futuro, sustentabilidade e responsabilidade social que um evento deste género deve ter.
Nem só de massagens e relaxamento se faz este evento, e aos comandos da secção desportiva do evento temos a Promolafões, conhecida pelo reputado Constálica Rallye Vouzela, e que conseguiu reunir 38 inscritos para o Rali Cidade termal e ainda cerca de 25 automóveis no Termas Rali Histórico. Ambos os ralis partiriam da praça da câmara municipal de São Pedro do Sul, a cinco quilómetros das termas. É uma decisão racional, tanto logisticamente, como para honrar o apoio do município, mas que deixou o recinto junto ao rio de certa forma despido de ruído, cor e azáfama. Os participantes apenas passariam durante o AQVA Street stage no sábado à tarde e no Termas Rali Histórico no Domingo. Trazer tudo para as termas teria entupido todo o espaço, mas é esta pitada de caos e de sobre-estímulo dos sentidos que consegue tornar um evento em algo verdadeiramente memorável.
O detalhe do detalhe
Durante o dia de sábado, não faltou diversão para as famílias visitantes: Experiências termais, massagens, gastronomia e vinhos, animação para as crianças com insufláveis e até um circuito de prevenção rodoviária.Não esqueçamos ainda a melhor atração de todas: as gaivotas, que tenho pena e de certa forma orgulho em dizer que fui o único a utilizar. Todo o espaço estava decorado a rigor, quer pelas árvores revestidas com panejamento axadrezado ou os já tradicionais fardos de palha a limitar as secções de estrada. Não é uma ideia original, mas fica sempre bem.
A atenção ao detalhe foi uma constante deste evento, ou “detalhe do detalhe”, como insistiu apaixonadamente José Correia. E não duvido. Até o envelope com os convites para o jantar de gala era selado com um autocolante a simular cera com o carimbo do evento.
Os pilotos, equipas de assistência assim como os media, tiveram convites garantidos para o jantar de gala no belíssimo Grande Hotel Thermas. Um jantar volante que apesar de facilitador para a organização, se provou um tanto complicado para os participantes, dada a grande afluência e falta de espaço no salão de refeições. O jantar foi complementado por um desfile de moda e um copo no lindíssimo bar do hotel. Nada como um gin a 5€ depois de um fim de semana intenso.
Próximos passos
O Termas Motorfest tem tudo para se tornar um evento automóvel de referência nacional. Tem a infraestrutura, tem a ambição, tem os apoios e tem a experiência desportiva da organização. Mas se quer dar o salto precisa completar a paleta de cores, e isso não se faz só com a precisão cirúrgica da organização. Há toda uma massa orgânica que demora anos a moldar-se e isso só será possível quando os clubes aderirem em massa, eles que pintarão as termas de cor com os seus clássicos, as suas gargalhadas, os seus brindes, os piqueniques no relvado porque a fila para a comida é longa, a imprevisibilidade de nunca saber que caravana chegará a seguir, que carro inédito descobriremos ao virar da esquina. O evento tem um mote inovador, que é casar os automóveis com as experiências termais, mas este é um conceito tão novo que é preciso perceber como o fazer funcionar, e depois educá-lo aos participantes.
Para 2023 há planos de fazer crescer o festival para uma semana completa e posicioná-lo como produto turístico. Cada dia será dedicado a um tema específico, repartindo os temas entre a cultura, bem-estar e automóveis.
O meu agradecimento especial ao José Correia da Promolafões pelo convite e hospitalidade, assim como um obrigado à restante organização que me recebeu com simpatia e prestabilidade.
Façamos por fim uma pequena alteração ao nosso dicionário:
“Termas”
Nome feminino plural.Dicionário Priberam (Sim, excepto o último ponto)
- Edifício destinado aos banhos públicos dos antigos romanos.
- Estabelecimento onde se faz uso de águas termais.
- Costumo ir lá com o meu clássico. A água continua com um cheiro esquisito; A vitela na Adega do Ti Joaquim estava optima e nem foi cara. Para o ano volto lá para uma massagem que isto de passear de carro dá dores de costas e eu não caminho para jovem.
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