A corrida dos fundadores

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By Joel
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September 21, 2024
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7 min read
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Para compreender o nome "Corrida dos Fundadores", regressemos por instantes à transição do século. Não à da bolha do "dot-com", do nascimento do Euro ou quando o Porto foi Capital Europeia da Cultura. Recuemos 100 anos, aos finais do séc. XIX, um período igualmente revolucionário, rico em movimentações sociais, ambições imperialistas, industriais e de mobilidade. Uma delas, o nascimento do artefacto que iria mudar o mundo para sempre: o automóvel. Situemo-nos em 1895. Mais precisamente às 17 horas do dia 11 de Outubro, em Santiago do Cacém, Setúbal. Neste preciso momento, chegava à então pequena vila do litoral alentejano o Panhard-Levassor. Um engenho curioso adquirido em França por D. Jorge de Avillez, jovem aristocrata da região.

Estamos neste momento a presenciar o primeiro registo da história automóvel em Portugal. Imaginem-se no papel de um agricultor local, de um fidalgo, não interessa. Outra personagem que queiram assumir durante estes parágrafo. Qualquer que fosse a sua classe social, a sua reacção ao ver uma carruagem sem cavalos seria a mesma. A velocidade de 15 quilómetros por hora, o fumo e o cheiro ao combustível exótico recém-apelidado de gasolina, seriam o suficiente para o deixar paralisado. De fascínio, ou no pior dos casos, o fariam alistar-se no culto supersticioso mais próximo. Qualquer que fosse a reacção, esta visão ficaria gravada na sua memória para sempre.

corrida-dos-fundadores
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Os Fundadores

Avancemos apenas seis anos, para 1902. Foi há cerca de 120 anos que se registou a primeira prova automobilística na Península Ibérica: O entrão apelidado Rali Figueira da Foz-Lisboa. Em 27 de Outubro de 1902 partiu da antiga “Rainha das praias de Portugal” um intrépido grupo de pioneiros decididos a difundir por Portugal algo que até então era um fenómeno completamente novo em todo o mundo. Tal foi o sucesso desta aventura que no ano seguinte, em 1903, aproveitando este optimismo face ao novo meio de locomoção, forma-se o Real Automóvel Clube de Portugal, hoje conhecido como ACP, entidade que, passado mais de um século, dispensa apresentações. À data, o raid previa rumar inicialmente para Cascais, mas alterações de última hora desviaram-no para Lisboa, mantendo-se assim a prova até 2015, quando a sua realização entrou num hiato indefinido.

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De volta ao futuro

Estamos de volta à segunda década do séc. XXI. Após vários anos de interregno, o Museu do Caramulo e o clube Pre-War Racers Portugal, em parceria com o ACP Clássicos e o Clube Português de Automóveis Antigos, trazem de volta este passeio que celebra a era dourada do automobilismo, com a mesma premissa simples do original: Um grupo de automóveis do período histórico “pré-guerra” (construidos anteriormente a 1939) terão que percorrer 250 quilómetros de estradas nacionais e regionais, mantendo uma média mínima de 30 km/h. Uma corrida dos Fundadores.

Um automóvel único no mundo

Para a viagem, escolhi um lugar inseguro nos bancos traseiros de um Abadal 25HP de 1914. Este modelo, produzido em Espanha, pertence à colecção do Museu do Caramulo e é a máquina mais antiga em prova. Quando foi lançado, era capaz de atingir uma velocidade de 120km/h, e tem a particularidade de ser o único exemplar em condições de funcionamento no mundo, de que haja conhecimento. Apesar de possuir quatro pneumáticos e um volante, tal e qual como os seus descendentes modernos, estes automóveis comportam-se mais como locomotivas, e o Abadal não é excepção.

O arranque e travagem são lentos, desajeitados, e requerem imenso planeamento, tal como a inércia tem um papel preponderante na sua condução. Os motores não lidam bem com trânsito lento, e por esta ordem de ideias, nem com semáforos encarnados ou sentidos de trânsito. Só existe uma regra neste jogo: O comboio não pode parar, independentemente se é fim da tarde, se é hora de ponta na entrada para Cascais, e se milhares de pessoas escolhem a mesma estrada que nós para regressar de um dia de sol na praia do Guincho.

O Roadbook

Ao todo, 17 participantes comprometeram-se a chegar ao fim dos 250 km desta prova, por troços escolhidos pela organização com especial cuidado para garantir as melhores paisagens e distância dos grandes centros urbanos sempre que possível. Da Figueira da Foz, a corrida dos Fundadores seguiu pela estrada Atlântica e Nacional 242, passando pelos destinos balneares da Marinha das ondas, Praia do Pedrógão, São Pedro de Moel, e perdendo o fôlego nos miradouros da Nazaré ou da Foz do Arelho.

Seguimos para sul depois de um belo almoço numa estância de golfe em Peniche, antes de arrancar em direcção ao Estoril para a última etapa da viagem, negociando os troços da Nacional 247, atravessando a Serra d’el Rey, e mantendo o tema costeiro bem presente com a passagem na praia de Santa Cruz, São Lourenço e Ericeira, finalmente virando a Este à passagem do Farol do Cabo raso, até finalmente entrar em Cascais.

Uma lista eclética

À diversidade das estradas, soma-se a panóplia de bólides participantes, que conseguiram criar uma amostra bastante representativa do estado da arte automóvel pré-1939. Desde os luxuosos Bugatti 57 Stelvio de 1936, MG SA de 1937 ou Rolls Royce 20/25 Cabriolet de 1932, encontramos alguns deportivos tal como os MG Magna F, também de 1932, dirigido por Pedro Villas-Boas, ou o Riley Nine 2 Seat Sport de 1934.

Claro está, não esquecendo os mais (para a época) populares e práticos Dodge Brothers Business Coupe de 1918 e Ford A de 1928. Apesar da idade dos participantes, quer das máquinas, quer condutores, é espantoso como todos cumpriram o acordo de cavalheiros de chegar aos jardins do Casino do Estoril antes das 18 horas. Como em tudo, a excepção confirma a regra, e desta vez foi o pequeno Fiat 525N do Museu do Caramulo, conduzido por Tiago Patrício Gouveia, a desistir pelo caminho devido a uma falha mecânica.

Um mundo diferente

Fiz a maior parte da Corrida dos Fundadores a bordo do Abadal, e vários pormenores me chamaram à atenção: Primeiro, o nível de detalhe e minúcia com que todas as peças são desenhadas e trabalhadas. Afinal de contas, um automóvel deste período podia custar o equivalente a uma casa, estando por isso reservados a uma elite de pioneiros. Segundo, a forma como o condutor e amigo Ricardo Correia de Barros, manuseava todos os seus controlos em tempo real, como se de um maestro a dirigir uma orquestra se tratasse. Além do mais, fascinou-me a agilidade e normalidade com que controlava o trânsito do topo do seu assento, uma visão rara de automobilista que é ao mesmo tempo um sinaleiro, tal e qual como nos primórdios do trânsito motorizado.

Reacções alheias

As reacções à nossa passagem, por parte de peões e tráfego podia ser polarizada: Por um lado, os pedestres mais curiosos apontavam, acenavam e fixam-nos o olhar com um sorriso rasgado. Afinal de contas, é provável que nunca tenham visto um automóvel desta idade fora de um filme. Por outro lado, os olhares de reprovação dos motoristas à chegada a Cascais, enquanto saltávamos o trânsito de uma forma a que alguns poderiam chamar no mínimo de anti-democrática. Não era com maldade. Após alguns quilómetros a acusar fadiga, parar o Abadal no trânsito era ditar o fim da nossa viagem.

Chegámos

Contra todas as minhas expectativas, chegámos aos jardins do Casino do Estoril, o maior casino da Europa, ainda com luz do dia, apenas uma hora depois do programado. Este local, em plena Riviera Portuguesa, é verdadeiramente emblemático e simbólico, com uma vista privilegiada sobre o Tejo. Este era um dos locais privilegiados dos boémios endinheirados no início do séc. XX, arriscando-me eu a dizer que muitos deles provavelmente se fariam chegar aos jogos num bólide semelhante aos do passeio.

O fim de uma era

Os modelos pré-guerra celebrados pela Corrida dos Fundadores, produzidos até 1939, fazem parte de uma geração em que os automóveis e motos eram feitos sem limitações, com elevada elegância e exuberância, com atenção aos detalhes e materiais, o que lhes conferia uma presença que hoje raramente se encontra. É uma era especial que merece ser vista e celebrada. Esta prova é hoje mais importante do que nunca, pois apesar de haver cada vez mais eventos, provas e oportunidades para os proprietários de automóveis clássicos poderem participar e tirarem proveito dos seus veículos, a verdade é que quase nenhum deles é orientado ou pensado para poder receber este tipo de automóvel, o que faz com que eles desapareçam do olhar do público.

Texto: Corrida dos Fundadores 2021
Imagens: Corrida dos Fundadores 2023
Site oficial da prova

Tagged: 2021 · Ralis
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